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Ele foi alambrador, tropeiro e curandeiro. Um artista missioneiro que fez da sua região o seu mundo. Da sua aldeia, uma pátria. Aos amigos, Jayme Caetano Braun costumava dizer que não era um poeta, apenas um payador. Nascido em 1924 em Timbaúva, distrito de São Luiz Gonzaga (hoje Bossoroca), o autor dos clássicos Bochincho, Galpão de Estância, Tio Anastácio e Galo de Rinha morreu às 5h30min de quinta (8/7), na Clínica São José, em Porto Alegre, vítima de complicações cardiovasculares. Morreu depois de receber quatro pontes de safena, enfrentar problemas de depressão e tentar o suicídio. Seu corpo foi velado no Palácio Piratini.
Há tempos Jayme Caetano Braun não recebia os amigos. Perdera o gosto pela vida. Padrinho de muitos artistas, chamava-os de filhos, contava causos, fumava um charuto, fazia um mate, abria um sorriso. Adorava reculutar lembranças. Dizia o que tinha vontade de dizer, gostassem ou não. Lia jornais de diferentes lugares do mundo. Era um especialista em remédios caseiros – afirmava que todo missioneiro tem a obrigação de ser um curador.
Sonhava fazer Medicina. Sem completar o Ensino Médio, acabou se tornando um autodidata. Sua imensa cultura foi apurada no período em que ocupou o cargo de diretor da Biblioteca Pública do Estado, entre 1959 e 1963. Especializou-se em décimas (poemas com estrofes de 10 versos). Os poemas, que começou a escrever piazito, por influência da família, foram publicados em vários livros. O primeiro, Galpão de Estância (1954), trazia versos de temática campeira, quase sempre dedicados a objetos do universo do homem da Campanha: relhos, chilenas, laços, carretas. Jayme foi um dos fundadores da Estância da Poesia Crioula, grupo de poetas tradicionalistas que se reuniu no final dos anos 50. Sua memória era uma arca sem fundo, que ele jamais se importou em trazer para a cidade.
– Seus livros nada mais são do que instantâneos de algumas notas que o autor conservou – disse a seu respeito o poeta Balbino Marques da Rocha. – O mais se perdeu e se perderá nas noites de galpão.
Jayme Caetano Braun era um artista polêmico, radical ao defender seus pontos de vista. Chegava a criticar quem ousasse tratar de um tema por ele já abordado. A tudo, porém, respondia com versos. Comparado a um corvo, numa referência a seu gosto por roupas escuras, respondeu certa vez: “O corvo é uma ave higiênica, que limpa todos os campos”.
Escrevia sobre a cena campeira. Descrevia o Rio Uruguai, o domador de cavalos, o fogão da campanha, a religiosidade do gaúcho. Apaixonado pela cultura platina, costumava dizer:
– Isso aqui é um pampa só.
Para ele, brasileiros, uruguaios e argentinos são “piedras del mismo camino / aguas del mismo caudal”, como escreveu, em espanhol, em sua Milonga de Tres Banderas. Em seu panteão, Osório reunia-se a Artigas e San Martín. O gaudério anônimo de Bochincho era irmão de Martín Fierro, do Viejo Pancho, de Santos Vega e de Blau Nunes.
Radialista, sua obra se espalhou pelo Brasil afora. Minas Gerais, Ceará, Pernambuco e Goiás são alguns dos lugares que têm CTGs com seu nome. Lançou discos e foi gravado por diferentes intérpretes nativistas. Uma coisa é certa: Jayme Caetano Braun foi inimitável. Sua arte era única, ninguém como ele fazia uma declamação improvisada com uma milongueada de violão.
O destino fez com que morresse um dia antes de seu novo CD ser lançado. Na sexta-feira (9/7), como previsto, Êxitos 1, gravado há um ano e meio, chegou à gravadora Usa Discos e estará na segunda-feira, às lojas. O lançamento havia sido adiado porque Jayme queria estar em melhores condições de saúde.
A voz do payador está aprisionada para sempre nos registros de estúdio. Para que sua emoção vibre, porém, basta que um declamador, em noite de lua e violão, quebre o silêncio com versos como “A um bochincho – certa feita, / fui chegando – de curioso, / que o vício – é que nem sarnoso, / nunca pára – nem se ajeita”. A partir desse momento, o poema correrá como um olho d’água. Afinal – como ele garantia –, para escutar payadores, até o silêncio se cala.
Fonte: ZAZ - Usina de cultura
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