Cadê o meu presente, o meu abraço?
A bicicleta que eu sonhei não vem com o laço
Não tem bolo, nem alegria
É dia das crianças, mas não pra periferia
Queria fugir daqui, é impossível
Eu não queria ver lágrimas, é difícil
Meus exemplos de vitória estão todos na esquina
De Tempra, de Golf, vendendo cocaína
Bem melhores que minha mãe no pé da cruz
Pedindo comida, um milagre pra Jesus
Antes dos doze eu vou estar com o oitão
Matando alguém, sem compaixão
Vou ver o filho, a mulher, chorando no corpo
Vou dar risada, vou dar mais uns quatro no morto
Eu vou brincar de assassino descarregando um 38
Legal a cara explodindo, voando um olho
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente na caixa com fita
Só moleque morrendo na mesa de cirurgia
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente, alegria
Nem dia das crianças na periferia
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente, alegria
Nem dia das crianças na periferia
Não dá pra ser criança comendo lixo
Enrolado num cobertor sujo e fedido
É ''dá esmola pelo amor de Deus'' um dia
No outro ''é assalto! Não reage, vadia!''
O que eu vou ser quando crescer?
Quer dizer, se eu crescer, se eu não morrer
Um assaltante de banco, um assassino
Descarregando minha PT no seu filho.
Eu vou fazer um rolê e buscar meu presente
Uma vítima, anel de ouro, corrente
Vou mostrar minha pureza
Eu vou matar um cuzão por uma carteira
Feliz dia das crianças, é 12 de outubro
Põe um brinquedo, em cima do meu túmulo
Quem brinca com revólver não conhece a alegria
Não tem dia das crianças na periferia
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente, alegria
Nem dia das crianças na periferia
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente, alegria
Nem dia das crianças na periferia
Posto de saúde, Paz, Grajaú
Feliz 12 de outubro, zona sul
Desrespeitam um médico ausente
O filho do nordestino aqui não é gente
Depois querem formatura e alegria
Mas que se foda se eu tô com meningite, pneumonia
O Brasil não me respeita, quer me ver morrer
Quer um preso a mais
Por quê que eu fui nascer?
Pra não ter um carrinho, um Danone
Ou trafico uma droga, ou morro de fome
Se eu não meter uma faca nas suas costas
A minha chance é 100% de acabar nessa bosta
Pra ter um brinquedo, só com latrocínio
Se não for jogador de futebol vou ser bandido
Queria ter um vídeo-game, como eu queria
Mas não tem dia das crianças na periferia
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente, alegria
Nem dia das crianças na periferia
Hoje é dia das crianças, e daí?
Quem vê sangue não tem motivo pra sorrir
Não existe presente, alegria
Nem dia das crianças na periferia
''É, mano, queria um vídeo-game
E de presente eu ganhei um cano
Não tem dia das crianças na periferia.''